Crítica: ‘A Febre do Rato’(2011), de Cláudio Assis

O cenário
nacional vem crescendo gradativamente a cada ano, tendo uma nova gama esforçada
de cineastas dispostos a entregar ao espectador um material de qualidade. Bom,
com Cláudio Assis não é diferente. Assis não é novo no ramo, mas a qualidade de
seu trabalho vai de encontro ao que está sendo lançado a cada ano. Em ‘A Febre
do Rato’, o polêmico diretor nos entrega um filme poético sobre nada menos que
a vida em uma cidade onde a exacerbação social rege o ambiente.

O filme traz
a história de Zizo, um poeta libertário e anarquista da cidade de Recife. Zizo
vive uma vida regrada a muito sexo e álcool, na qual a colocação de limites vai
contra tudo aquilo que ele acredita. O homem comanda um pequeno jornal
independente e, geralmente, sai às ruas da cidade para pregar seus ideais à
sociedade. A vida desprendida de valores e regras morais não é uma
exclusividade de Zizo, seus amigos partilham a ideia e vivem tais como, sem, no
entanto, a mesma intensidade do poeta.
A escolha por
dar um ritmo moderado ao filme vai de encontro à atmosfera criada para ele. Não
teremos aqui pontos cruciais para o andamento da história, tudo é contado em um
único tom. O filme quer simplesmente mostrar um curto período da vida de seus personagens. Nada relevante para suas vidas acontece que eles já não estejam
acostumados. E o encanto do filme se faz exatamente por isto.
Temos na
figura de Zizo um homem completamente desprendido de valores. Sua vida é
construída a base da absorção da essência da aura instintual do ser humano. O
superego naquele indivíduo é completamente negligente, ele parece ser dominado
pelos conteúdos rechaçados oriundos do Id, captando o personagem com um olhar psicanalítico. Poderíamos categorizar Zizo como um
homem em processo de degeneração, se autodestruindo a cada ato. Porém, é
deveras vazio colocar um personagem tão rico em uma substância tão pobre. São
vários os modos de se analisar este personagem. E talvez todos se encaixem pelo
menos um pouco na sua persona.
É importante
ressaltar o roteiro do filme. Escrito por Hilton Lacerda, a história não tem medo de se tornar insossa para alguns espectadores,
aproveitando o máximo dos diálogos ou versos poéticos entoados pelo protagonista.
A abordagem feita à vida das pessoas incluídas naquela classe e grupo é uma
coisa complicada, muitas vezes podemos cair em estereótipos preconceituosos. No
entanto, Lacerda acerta em cheio não amaciando o conteúdo que é trazido no
roteiro.
Porém, o
destaque, claro, vai para a direção soberba de Cláudio Assis. Somos inundados
com uma infinidade de takes dos mais diversos ângulos, todos inseridos em uma
estética única de filme. Em determinado momento, o protagonista quebra a quarta
parede, falando diretamente conosco. Em outros, temos cenas de sexo exploradas
na sua mais densa completude. Ou então, somos apresentados a um plano contínuo,
com a câmera percorrendo um ângulo de 360°, destilando os diferentes nuances
dos personagens. Podemos citar como exemplo as cenas daquela espécie de caixa
d’água que é usada como uma piscina, na qual a câmera é coloca acima, como se
estivesse pendurada em uma árvore, revelando uma imagem panorâmica ousada que dá
a possibilidade do espectador ver o filme com outros olhos. Esse recurso é apelidado de “god’s point of view”, muito usado no cinema de Martin Scorsese. O cinema de Claúdio
Assis é bom demais.
A fotografia
do filme também merece destaque. Feita por Walter Carvalho,
o objetivo dela é dar um contorno defasado e em ruínas da cidade, da roda de
ambientes frequentados pelos personagens. A sensação é de assistir algo que
está se desfazendo, retratando com exatidão a proposta do roteiro e direção. O
preto e branco presentes no filme ajudam Carvalho em sua investida precisa.
Já a edição
não destoa dos elementos do filme citados, conseguindo dar uma agilidade
necessária ao filme. Os cortes das cenas são extremamente acurados, jamais
deixando algo solto ou desnecessário em tela.
O elenco está
muito bem. Temos Irandhir Santos como protagonista, além de Juliano Cazarré e Matheus Nachtergaele compondo a parte mais relevante do
elenco. Talvez o melhor ator brasileiro da atualidade, Irandhir Santos consegue
entregar um performance muito corporal ao filme, sempre prezando pela
eletricidade em seu modo de agir. A intensidade com que o ator também fala e
entoa suas poesias assustam. Não temos um único momento do filme em que o ator
não esteja frenético em cena, até seu silêncio é pontuado de forma intensa. Matheus
Nachtergaele também dá um show no filme, mesmo com um papel de menor
importância para a trama, interpretando um homem quieto e intrigante, que nutre um
conturbado relacionamento amoroso.
‘A Febre do
Rato’ é uma obra que somente evidencia o quão bom é o diretor Cláudio Assis. Em
virtude de toda a equipe muito boa, já teríamos um bom filme com um diretor
mediano, mas a direção de Assis é o que coloca o filme em outro patamar. Um
filme polêmico e provocador, que escolhe por dar foco a uma parte da população
brasileira que é esquecida pelas classes mais altas.
Nota CI: 6,9 Nota IMDB: 7,2
Filmografia:
FEBRE do Rato,
A. Direção: Claúdio Assis. 2011. 110 min.

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