Crítica: ‘Mulheres Diabólicas’(1995), de Claude Chabrol

Baseado no
romance de Ruth Rendell, ‘Mulheres Diabólicas’ traz todos os ingredientes
necessários para se construir um clássico. Temos aqui um diretor francês
fantástico, uma trilha sonora forte e notável, roteiro preciso e a junção de
três das maiores atrizes da história do cinema. Um filme para ser visto e
revisto periodicamente.
A história
gira em torno de Sophie la bonne,
uma empregada doméstica que é contratada por uma família rica para trabalhar
com eles. A história se passa em uma cidade pequena da frança, e a casa em
questão se encontra isolada da cidade. A trama vai ganhar corpo a partir do
aparecimento de Jeanne la postière, uma funcionário dos correios, e o
desenvolvimento da perversa amizade que surge entre ela e La Bonne.
Vindo de um
passado turbulento, La Bonne revela logo nos primeiros minutos de filme que
estamos diante de uma mulher fria e com sérios problemas psicológicos. Recatada
e reclusa, a personagem consegue esconder seus graves distúrbios dos seus patrões,
parecendo, aos olhos deles, apenas uma mulher estranha, porém, muito
competente. Um pouco mais tarde na trama, a personagem de La Bonne acaba
revelando outra limitação, a mulher é analfabeta. Fato este que é extremamente
importante para o desenvolvimento da trama. Já a personagem de La Postiere
demora a aparecer no filme e quando finalmente é introduzida, esta parece ser
uma simples funcionária inocente dos correios que tem como entretenimento abrir
cartas de outras pessoas. O avançar da trama revela que, na verdade, La
Postiere é uma mulher idêntica à La Bonne, com o mesmo passado marcado, porém
com uma inteligência malévola mais aflorada.

É importante
nortear a trama usando como exemplo os clássicos que Chabrol utiliza aqui. A
atmosfera densa, utilizando uma fotografia fria e uma trilha sonora soturna,
nos leva diretamente ao clima usado nos filmes de Alfred Hitchcock em filmes
como ‘Pavor Nos Bastidores’(1950). A exploração de uma dupla mortal feminina já
tinha sido contada na década de 1950, quando Henri-Georges Clouzot resolveu adaptar outro romance para as telas, o clássico
‘As Diabólicas’(1955), onde o Chabrol aproveita vários elementos.

A construção
das personagens é um dos grandes acertos do filme. Vemos aqui, na figura das
duas mulheres, personagens desajustados demais para viver em uma sociedade
tradicional, sendo rejeitadas por ela. As personagens demonstram um ódio
exacerbado às circunstâncias que as cercam, demonstrando a cada atitude o
quanto a rejeição as machuca. La Bonne e La Postiere encontram uma na outra as
características para poderem ser o que realmente são, sem máscaras, sem amarras
sociais, sem nada que as impeçam de despejar todos seus impulsos instintuais. A
vida de La Bonne comove o espectador. Apesar de seus atos pouco amigáveis para
tratar de temas do dia a dia, a mulher parece sofrer para tentar parecer o mais
sociável possível. A inabilidade para com a vida desperta nela o desejo de
viver de forma passiva, sem inserir sua presença ao meio, não podendo
modificá-lo, se encontrando neste ponto seu importante relacionamento com a
televisão. La Bonne encontra ali algo perfeito, intocável, onde sua presença
jamais alteraria a ordem dos fatos que se sucedem.

Para dar vida
a essas duas mulheres foram escaladas Isabelle Huppert(La Postiere) e Sandrine Bonnaire(La Bonne). Suas atuações são arrebatadoras. Chabrol dedica cada cena ao
talento das duas, sempre focalizando nas expressões faciais das atrizes. A
química presente entre Huppert e Bonnaire é algo espetacular. Uma completa a
atuação da outra a cada cena juntas. Bonnaire consegue dar vida àquela figura
animalesca que vive, promovendo a cada cena seu olhar e gestos tímidos, quase
acuados, que dão substância à personagem. Já Huppert é o grande destaque do
filme. Aqui ela não está preocupada em gerar empatia por seus atos, muito pelo
contrário, não é difícil o espectador sentir repulsa em relação àquela mulher,
até certo nojo. Cada enquadramento em que Chabrol destaca o rosto de Huppert é
um espetáculo. O elenco conta ainda com Jacqueline Bisset, trazendo a trama em sua personagem todo aquele senso de moralidade
inserido naquele contexto familiar a qual está inserida, tendo uma atuação
discreta e precisa. Ainda temos Jean-Pierre Cassel e Virginie Ledoyen completando o time de forma
competente.
O filme
consegue adentrar de forma plausível ao estudo dessas ótimas personagens
criadas na trama. A escolha de um elenco estelar talvez seja o maior acerto da
equipe de produção do filme. Além de ser mais uma parceria brilhante entre
Chabrol e Huppert. ‘Mulheres Diabólicas’ é um clássico do cinema francês. Um
filme que deve ser contemplado durante seus 112 minutos de duração. A comédia
de erros e o acaso cruel que permeiam a trama apenas coroam o filme.
Nota CI: 7,5 Nota IMDB: 7,6
Filmografia:
MULHERES
Diabólicas. Direção: Claude Chabrol. 1995. 112min. Título Original: La
cérémonie.
DIABÓLICAS,
As. Direção: Henri-Georges Clouzot. 1955. 116 min. Título Original: Les
diaboliques.
PAVOR Nos
Bastidores. Direção: Alfred Hitchcock. 1950. 110 min. Título Original: Stage Fright.

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