Crítica: ‘Gêmeos – Mórbida Semelhança’(1988), de David Cronenberg

O universo
paralelo criado por David Cronenberg em seus filmes é um espetáculo. Temos ali
instrumentos jamais vistos antes, pragas inconcebíveis, homens se transformando
em criaturas animalescas, parafilias grotescas, fitas de vídeo assassinas e
etc. Entretanto, o assunto presente nos temas citados e em toda a carreira de
Cronenberg é a sexualidade exacerbada presente no ser humano e na natureza que
o cerca. E em ‘Gêmeos – Mórbida Semelhança’ o diretor não poderia fazer
diferente. Aqui ele usa de um laço inexorável surgido em dois irmãos, quase que
incestuoso, onde mulheres são compartilhadas, pacientes, méritos e, por fim, a
loucura. Junte esses temas a uma direção impecável, uma cinematografia linda,
trilha sonora memorável e uma atuação precisa e você terá algo único.
O filme conta
a história de dois irmãos gêmeos, Beverly e Elliot Mantle.
Ambos ginecologistas conceituados, levando uma vida dos sonhos no alto escalão
da sociedade. A vida dos dois é completamente transformada após eles se
envolverem com uma atriz frágil e perturbada, onde um dos dois se vê
completamente apaixonado e dependente do relacionamento.
É
interessante ver aqui os desmembramentos da vida de Beverly e Elliot. Os dois
demonstram um carinho único um pelo outro. Os dois moram na mesma casa, dividem
as mesmas mulheres, atendem as mesmas pacientes, comem a mesma comida e gostam
das mesmas coisas. Tudo ali é compartilhado. A grande diferença presente nos
dois se deve ao fator de um ter uma personalidade mais eloquente e
desinibida(Elliot) e o outro ser tímido e retraído(Beverly). A figura da atriz
que adentra ao campo intocável que tange o relacionamento dos dois é a grande
chave que abrirá uma porta que jamais deveria ter sido aberta.

O que deveria
ser mais uma aventura sexual para os irmãos, acaba se tornando em um jogo
obsessivo letal para a saúde mental deles. Os dois enganam a mulher, sem
deixá-la saber que os dois se revezam para transar com ela. Para ela, Beverly
era o único ser atuante ali. A atriz não sabe, a princípio, nem que Beverly
possui um irmão, muito menos que ele seria gêmeo.
Elliot não
liga para atriz, vê nela apenas um escape para um dia entediante, tratando-a
com desdém. Enquanto Beverly vê na mulher algo muito maior, apaixonando-se por
ela quase que instantaneamente.

Quando essa
unidade de escolha é quebrada nos irmãos, começaremos a ver pouco a pouco as
coisas saírem do controle. Beverly acaba ficando viciado em drogas de todos os
tipos, tendo alucinações e ficando incapaz de exercer sua profissão. Elliot
apesar de, a princípio, estar bem, é pego pelo fenômeno de unicidade. O vínculo
criado pelos irmãos em toda sua vida, jamais poderia ser desfeito. O filme
segue por caminhos cruéis para os irmãos, em uma rotina de autodestruição
inapelável.
O que torna
este filme único, entretanto, não é a história em si, mas sim sua parte
estética impecável. A direção do Cronenberg é soberba, criando uma atmosfera
pulsante no filme. O diretor escolhe por realizar seu filme em cenários
claustrofóbicos. Estaremos sempre envoltos a um quarto, uma sala, um
consultório e etc. Tudo aqui é extremamente apertado, evidenciando o mundo
limitado na vida daqueles irmãos. A decisão de utilizar um único ator para
interpretar os irmãos é outro ponto que mostra a genialidade de Cronenberg,
onde a simbiose dos irmãos entregues pelo roteiro é realizada de maneira
natural. A construção dos efeitos visuais para conceber que um mesmo ator faça
dois personagens em um único ambiente, onde o rosto dos dois é mostrado, também
impressiona. A fotografia linda de Peter Suschitzky
ajuda a dar um clima sombrio ao filme. Já a trilha sonora, entre todos os
detalhes técnicos, é a que mais consegue nortear o caminho dos personagens e
definir o relacionamento dos dois, sempre escolhendo por composições
melancólicas e doces. A composição desta trilha sonora é um dos melhores
trabalhos de Howard Shore(talvez
o maior nome que há na área) em sua brilhante carreira.

A dupla
atuação de Jeremy Irons é essencial para o sucesso do filme. Irons consegue
fazer com que o espectador realmente acredite que ali se encontra duas pessoas
diferentes. A sua entrega aos personagens é total. Um ator comum jamais
conseguiria encarar a missão. Todo o brilho da produção deste filme jamais traria
recompensas sem a presença de Irons. Um trabalho hercúleo para o talentoso
ator.
‘Gêmeos –
Mórbida Semelhança’ é o filme em que David Cronenberg transcende pela primeira
vez o gênero horror, nos entregando um drama peculiar. Uma espécie de homenagem
sombria ao clássico ‘Persona’(1966), de Ingmar Bergman.
Nota CI: 7,0 Nota IMDB: 7,3
Filmografia:
GÊMEOS –
Mórbida Semelhança. Direção: David Cronenberg. 1988. 116 min. Título Original: Dead Ringers.
PERSONA.
Direção: Ingmar Bergman. 1966. 85 min.

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