Crítica: ‘Videodrome’(1983), de David Cronenberg

Buscando explorar os diferentes nuances que tangem o relacionamento do ser humano com a figura da tecnologia, mais precisamente com a televisão, ‘Videodrome’ vai trazer uma história bastante surtada sobre a derrocada a loucura de um homem. David Cronenberg vai destrinchar diante de nós, de uma maneira exacerbada, temas como a banalização da vida, a inerente obsessão do homem pelos piores aspectos de sua espécie, o fascínio pela violência, os limites do fetichismo, a figura da televisão como instrumento sexual e as concepções de doença mental. Um filme intenso, sem rodeios e maravilhosamente concebido por seus realizadores.

O filme vai nos contar a história de Max Renn, um produtor de uma pequena rede de televisão, que sempre procura colocar na programação de seu canal um conteúdo chamativo, principalmente focado no sexo, para atrair audiência. Em determinado momento, Max é informado sobre um programa que traz em sua essência um conteúdo sexual violento, guiado pelo aspecto “snuff”. Max fica completamente obcecado pela figura daquele programa, tentando descobrir sua origem e se aquele material era, de fato, verossímil. A trama do filme ganha força quando Max começa aos poucos a romper com a realidade a sua volta, iniciando um jogo de gato e rato com os produtores do programa.

Em detrimento da limitação de sua duração, apenas 87 minutos, o filme é rápido em suas investidas, sem, no entanto, subjugar todos os conteúdos explorados. Inicialmente veremos toda a obsessão que rege o comportamento de Max com seu trabalho em trazer conteúdos gráficos apelativos para sua programação. Essa obsessão pelo trabalho somente é atenuada quando tem a possibilidade de iniciar pequenos casos amorosos baseados no sexo. Max é um homem com traços obsessivos, sem escrúpulos e narcisista. E essas características do homem serão preponderantes para a sua derrocada.

A obra sempre terá seu foco na figura da televisão tida como instrumento de adoração pelo meio social. A televisão é mostrada aqui como um objeto de cunho sexual, usado para o ser humano saciar suas pulsões mais obscuras presentes em seu inconsciente. A necessidade por violência e a incursão nos elementos que guiam o homem a procura do que há de pior no mundo são intensificadas por meio da televisão. É por meio da televisão que veremos aflorar em Max uma sexualidade deturpada.

O homem é introduzido pelo programa que ele ficara obcecado em um mundo onde o sexo é uma arma para a transvaloração das medidas éticas e morais levadas como regra no meio social. O ato de afligir dor em outro indivíduo ganha papel preponderante para a emissão de prazer. E é em detrimento dessa exacerbação de comportamentos, onde obsessão, sexo e a televisão sofrem uma junção, levando o homem a quebrar com a realidade, entrando em um processo degenerativo inescapável.

Max perde esse contato com a realidade, criando uma nova visão de mundo, onde a televisão ganha vida, e por trás dela toda uma organização se programa para controlar os passos do homem. Nessa nova realidade tudo é algo vivo, o corpo de Max se torna uma espécie de expansão ao agora organismo televisivo. A realidade agora é limitada naqueles que apoiam essa instituição intitulada “Videodrome” e os que querem o fim da organização.

É importante fazer a introdução do conceito de psicose presente em Max. O homem, pouco a pouco, passa a sucumbir em meio a esses delírios a respeito da televisão. O filme nos coloca na cabeça de Max, assistimos tudo o que se passa nessa nova realidade imposta pela psique do homem, nessa quebra entre ego e realidade externa. E vamos alternando entre o que de fato acontece e com o que é uma alucinação de Max. Essa junção de fatores acaba levando o homem a um completo estado de loucura, dando início a uma série de comportamentos irracionais que, obviamente, culminam em várias atrocidades.

Toda essa confusão que emana da atmosfera do filme é em detrimento do trabalho de direção de David Cronenberg. A sensação aqui é a de estar assistindo uma história que se passa em uma realidade alternativa. Essa sensação não se deve apenas ao fato de entrarmos na cabeça de um psicótico, sendo algo que é evidenciado desde o primeiro minuto de filme. Aliás, essa sensação de pertencimento a outra realidade nos filmes do diretor é habitual, veremos isso em praticamente toda a sua filmografia.

Outro ponto crucial para a imersão ao universo que permeia o filme é a trilha sonora e o setor de maquiagem impecável. Comandada por Howard Shore, a trilha sonora possui uma substância soturna, algo que trabalha por nortear os caminhos do protagonista. Cada esboço de melodias incute no espectador uma completa absorção ao conteúdo exposto pelo diretor do filme. É impossível separarmos o trabalho de Cronenberg e Shore. Os dois foram feitos para trabalharem juntos. Já a maquiagem é algo surreal, talvez o melhor trabalho nos filmes do Cronenberg, ao lado de ‘A Mosca’(1986). O time responsável por criar esses efeitos, como o célebre momento que o protagonista introduz uma fita VHS em sua barriga, merece todos os elogios possíveis. Um dos melhores trabalhos de maquiagem da década.

Já adentrando ao campo das atuações, toda a excelência das outras partes da produção do filme continua no belo trabalho de James Woods no comando do personagem principal. Woods passa um misto de confiança e prepotência no início do filme, indo ao completo estado de confusão e loucura. Woods sucumbe, junto com seu personagem, entregando uma atuação cheia de exageros que se fazem necessários para o que o filme nos propõe. O resto do elenco não se faz muito relevante, todo o filme é baseado nas experiências sensoriais do protagonista.

‘Videodrome’ se caracteriza por ter um trabalho de clima fantástico, colocando o espectador ao lado de Max em suas estranhas experiências. Um filme com uma destreza ímpar para lidar com todo o conteúdo extremamente rico do roteiro, escrito pelo próprio Cronenberg. Ainda teremos uma abordagem ousada sobre o fenômeno da televisão na vida das pessoas, fazendo um paralelo com o conceito de psicopatologia.
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