Crítica: ‘O Último Metrô’(1980), de François Truffaut

Procurando sempre propiciar ao espectador a melhor tomada possível, François Truffaut traz aqui um dos melhores trabalhos de direção de sua carreira. ‘O Último Metrô’ irá expor em sua síntese, como a vida humana é adaptável e pode ser consumada mesmo em tempos extremos. O filme ainda vai investigar diversas histórias presentes na trama, jamais deixando o foco somente nos protagonistas, dando substância a todo o comportamento humano exposto.

A trama vai trazer a história de um teatro e os diversos conflitos humanos que o permeiam, sempre tendo como fundo o cenário bélico da época. O filme se passa na França ocupada pelos nazistas, durante a 2ª Guerra Mundial. Sob este parâmetro, teremos preconceito, intolerância, fraternidade, paixão, traição e amizade destrinchadas durante todo o filme.

A primeira metade do filme se norteará nos caminhos trilhados pelos personagens para poderem realizar uma peça no teatro local. Em meio a tantos problemas, poderemos notar sempre a aura tranquila que rege o cotidiano daquelas pessoas. Suas relações interpessoais são amparadas com um senso de camaradagem e, até mesmo, os conflitos surgidos entre eles acabam sendo gentis.

Essa decisão de embasar o filme em um senso de tranquilidade acontece em detrimento de colocar a guerra e a intervenção alemã como algo menor, sob as sombras, um item sobrepujado pelo desejo de dar ao espectador um filme leve em suas investidas e resoluções. E isso funciona bem, onde, por vezes, esqueceremos dos cenários de guerra ao fundo e teremos como única preocupação as indecisões bobas dos personagens.

O filme acaba dispondo uma grande parcela de sua duração para histórias paralelas que nem sempre irão influenciar em sua trama principal. Com isso, veremos claramente uma diminuição da importância dos personagens centrais e teremos a figura do teatro em si ganhando notoriedade, já que mesmo as histórias paralelas são configuradas pelos atores da peça do teatro ou no interior do ambiente.

Conforme o filme avança, vai ficando clara uma sensação de distanciamento dos personagens para um objetivo real em suas vidas. A única motivação dos personagens acaba se notabilizando pela peça que vai estrear. E é isso que acaba os incomodando. Todo esse sentimento de disparidade quanto ao mundo acaba gerando uma sensação de vazio, uma sensação de que suas vidas são, de certa forma, sem peso ou importância. Isso irá compor uma crítica velada do filme a esse cenário bélico que destrói projeções em sua reta final.

O ser humano, para inúmeras correntes filosóficas, é algo que precisa de uma projeção futura para atuar sobre o mundo. Essas projeções ajudarão o indivíduo a se manter motivado no presente e desempenhar um papel social básico de convivência. Um dos maiores males do ser humano, a depressão, se constrói em um de seus pilares exatamente por essa falta de projeção, onde o indivíduo não se vê ativo no amanhã, negligenciando o mais importante, o hoje. E essa noção é a crítica que o filme faz à guerra. O cenário inexato da vida naquele lugar, exasperado por constantes ameaças de bombas, faz com que os indivíduos ali inseridos deixem de projetar alguma meta para seu futuro, perdendo sonhos e desejos. Esse cenário atinge os personagens, onde a peça era a grande meta de todos e, conforme eles alcançam esse objetivo, acabam se vendo sem rumo e com uma ausência de esperanças.

Outra crítica promulgada pelo filme contra a guerra é ao processo de enraizar determinados processos psicológicos. Adentrando ao campo da psicanálise, onde a teoria compreende o aparato psíquico em três instâncias, os personagens do filme acabam regendo seus comportamentos sob o comando do superego. Ou seja, as atitudes instintivas, o princípio de prazer e o senso de aqui e agora são extintos, dando luz a indivíduos que agem com princípios e regras morais rígidas, jamais dando espaço para exacerbações comuns à espécie em detrimento da guerra.

A direção de François Truffaut sempre procurará dar ao espectador a melhor cena possível, utilizando composições extensas de cenários e dar aos atores um espaço para poderem agir livremente. Truffaut faz bastante uso de uma câmera móvel, que se adapta ao ambiente, tentando seguir os atores em determinados trajetos. Teremos também uma grande utilização de planos que possuem um movimento de aproximação ou distanciamento por parte da câmera(zoom in/out) que trabalharão na proposta de evidenciar algo oculto do cenário(zoom out) ou captar algumas expressão ou objeto de importância para a trama(zoom in).

Truffaut também tenta ao máximo trazer o espectador ao interior daquele ambiente, e para isto ele conta com o trabalho preciso da cinematografia de Néstor Almendros. Almendros tenta formatar a fotografia do filme na proposta central do roteiro, dando uma tonalidade pastel às cenas, principalmente naquelas em ambientes fechados, criando uma noção de um tempo defasado, algo retrógrado aos arqueamentos psicológicos dos personagens.

O elenco, no entanto, é a esfera do filme que realmente elevará sua qualidade. Como dito acima, o filme caminhará por diversas histórias e personagens, criando espaço para diversos atores constituírem atuações sólidas. No entanto, o grande destaque do filme vai para a dupla de protagonistas, comandada por Catherine Deneuve e Gérard Depardieu. Os dois dão uma verdadeira aula de atuação. Depardieu vai se embasar, como é normal em sua filmografia, em um modelo de atuação mais sereno, se adaptando ao que o seu parceiro de cena lhe entrega. Cada momento em que aparece no filme o ator nos entrega um senso de parcimônia com o que está sendo exposto na cena. Deneuve também guiará sua atuação pela sobriedade, nos entregando uma personagem espirituosa, concisa e assertiva em suas atitudes. A atriz também possui a grande sorte de trabalhar com um diretor que sabe do talento que tem em mãos, lhe entregando a câmera a cada cena que a francesa está presente.

‘O Último Metrô’ é um bom filme, guiando-se sempre pelo senso da imaturidade e ingenuidade do comportamento humano. A decisão do diretor de nos trazer uma história sobre tempos extremos contada de uma maneira sutil é o que torna o filme tão agradável. Sem dúvida, este filme não se enquadra nos melhores filmes de François Truffaut, mas o trabalho do cineasta a frente da direção, sim, é de se notar.
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