Crítica: ‘Suspeita’(1941), de Alfred Hitchcock

Trabalhando com o conceito impregnado da incerteza contido no ser humano, Alfred Hitchcock traz aqui um filme leve e simples sobre os mais diversos desnivelamentos das vidas de duas pessoas. ‘Suspeita’ ainda evidenciará como ingenuidade e malícia andam juntas e atuam como esferas danosas na vida humana. O filme ainda nos propiciará uma atuação soberba de seu protagonista.

A trama traz a história de Lina McLaidlaw, uma mulher solitária, pertencente a uma família com bastante dinheiro, que conhece o atraente Johnnie Aysgarth, um homem de origem misteriosa, vindo a se apaixonar por ele e consumando o casamento. O filme ganhará sua dinamicidade quando Lina, pouco tempo após o casamento, passa a desconfiar das pretensões do marido, questionando, até mesmo, seu nível de segurança com o homem.

Em sua camada inicial, o filme procura emanar sempre uma simplicidade no avançar de sua trama. Aqui, o roteiro se preocupa em entregar informações “mastigadas” para seu espectador, trabalhando por impedir que este fique perdido ou confuso sobre algum detalhe. Essa decisão, ao invés de ajudar a trama caminhar com mais tranquilidade, acaba limitando o campo de evolução que os personagens poderiam alcançar, tornando estes fáceis de serem decifrados.

Conforme avançamos, a história começa a evidenciar seu principal eixo de apoio, deixando em foco o embate entre a ingenuidade intrínseca à personagem Lina e a malícia inerente de Johnnie. Essa duas instâncias passam sempre em entrar em conflito, e, com a exposição mais detalhada dos personagens, elas trocam de lugar, dando novas perspectivas para o desenvolvimento da história.

Essa troca de posicionamentos dos personagens consegue dar uma nova carga dinâmica para a reta final do filme. A reta final sempre vai procurar emanar as dúvidas cruciais dos personagens para o espectador, como é habitual na filmografia de Hitchcock, onde teremos planos frenéticos e pouco reveladores que subvertem cada gesto dos elementos envolvidos na cena. Até os fragmentos finais da obra teremos essa incerteza presente conosco sobre as motivações de toda a história.

Adentrando ao campo da direção, Alfred Hitchcock apresenta uma qualidade na execução de seu trabalho semelhante aos seus melhores filmes. O diretor procura transpor ao espectador, com seus planos que causam imersão, elementos ausentes ou invisíveis do roteiro, evidenciando sentimentos, incongruências e incertezas nos personagens. Podemos elencar como exemplo uma cena específica, com os personagens centrais em um carro, quando Johnnie vai levar Lina para a casa de sua mãe, no auge da trama, onde, com um jogo de edição rápido e a exacerbação do plano detalhe, os sentimentos dos personagens e suas dúvidas são transpostos aos espectadores.

No entanto, entre os acertos e erros do filme, o maior destaque vai para a atuação de Cary Grant à frente do personagem central. Grant conduz toda a dinâmica do filme, fazendo as cenas onde está exposto ganharem em qualidade. O ator entrega uma interpretação comedida, emanando todo o cerne manipulador de seu personagem, sem que se faça necessária uma exacerbação de gestos, expressões e falas. Na outra ponta do filme, temos a atriz Joan Fontaine que também apresenta uma atuação positiva, se fazendo mais intensa do que Grant nas cenas mais cruciais (como a própria personagem demanda).

Suspeita’ não é ausente de erros, como exposto acima, mas suas partes de maior intensidade sobrepujam qualquer equívoco presente. A qualidade da direção de Alfred Hitchcock conduz a dinamicidade imposta ao espectador de maneira positiva e a atuação soberba de Cary Grant faz com que o filme tenha seu lugar especial no cinema. Os 99 minutos de duração da obra, sem dúvidas, conseguem entreter e, ainda, surpreender quem assiste.